quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Prenez soin de vous

Como não estou propriamente sorridente venho tentar provocar uns sorrisos falando de algo criativo...


E a escolha recai novamente em Sophie Calle mas desta vez sobre o seu trabalho (não recente) "Prenez Soin de Vous".
No post "Cette Artiste Conceptuel", já tinha escrito sobre a sua criatividade/loucura, o seu lado "fora do comum", e venho então reforçar o que disse na altura, e destacar, mais uma vez, a sua originalidade.

Sophie Calle apresenta "Prenez Soin de Vous" (traduzido no Brasil como "Cuide de Você") desta forma:

“Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”.
Levei essa recomendação ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.
Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim.”
Sophie Calle

A carta que ela recebeu foi esta:

"Sophie

Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.
Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas.

Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você.
Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.
Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.

Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.
Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá únicoGostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente

Cuide de você.

G".


O "G" é Grégoire Bouillier e acho peculiar quando ela diz que levou a recomendação "Cuide de Você" à letra e ter, a partir daí, conseguido construir algo tão criativo (uma exposição com textos, fotografias e vídeos). Por mera curiosidade, acho também engraçado que Calle e Bouillier tenham tido um "reencontro público" numa mesa de debate em torno da exposição. E embora tenha lido opiniões opostas  em torno deste trabalho,como aliás já vem sendo comum ao longo da carreira dela, é-me completamente indiferente se é algo "inédito" ou não. Acho que é algo criativo e  por isso partilho aqui. Sei que "extra" a exposição há também o livro "Prenez Soin de Vous".

2 comentários:

Alina Baldé disse...

Olha, muito bom, do melhor que tenho visto mesmo! Fico contente e com a certeza que continuares o blogue foi caso de utilidade pública! Além de ter notícias tuas, acabo por saber um pouco mais sobre o mundo e este trabalho deixou-me, sem dúvida, com água na boca!
Quanto à carta... é bonita demais e vem no sentido do que temos falado. Há amores estranhos. O pior, é que não deixam de ser amores, por serem estranhos. Com certeza que na visão de muitos, Grégoire Bouillier seria apenas um parvalhão. Mas a carta dele é de um amor extremoso e admite, de facto, a sua incapacidade de viver isso. É estranho, mas possível. E mais, por mais que lhe tenha custado entender (a ela) saiu mais forte, mais criativa e muito muito mais completa, acredito!

Ana disse...

Não conhecia e agradeço-te imenso por teres partilhado aqui. Fui ver também o outro post em que falavas dela e fiquei muito entusiasmada pelo seu trabalho. Adoro o que tens apresentado no teu blogue, desconhecia totalmente o trabalho dela e considero-me uma pessoa curiosa em relação a temas de cultura e nem sei como é que escapou esta artista. Obrigado por partilhares, gostei imenso do post, imenso do trabalho dela e já sei que preciso de continuar a acompanhar o blogue para estar a par de novidades.